A minha bisa faleceu. Ela teve um derrame há um ano e três meses e ficou com a parte direita do corpo paralisada, mas continuava lúcida, alegre e muito, muito amável. Cuidamos dela como de um bebê, a fisioterapia ajudou nos movimentos e ela conseguia andar se alguém a segurasse pelo braço, conseguia comer sozinha e conversar por horas, como se nada tivesse acontecido. Às vezes ela recaía, dizia que não era justo dar tanto trabalho e depender tanto da gente, já que até então ela morava sozinha e cuidava de si sem ajuda de ninguém. Ela sofria por se considerar um estorvo e esse peso só se agravou dali pra frente, quando começaram as internações.
Nesse um ano e pouco ela ficou internada três vezes e cada uma durou um mês, mais ou menos. Por ser idosa ela precisava de acompanhantes e uma família tão grande se transformou em meia dúzia de gatos pingados. Eu enrolava os guardas e passava as tardes no hospital (não podia por causa da minha idade) e ficava sentada ao lado da cama. Ela dormia praticamente o tempo todo por causa dos remédios, mas toda vez que ela acordava eu puxava conversa e me esforçava muito pra entender aquele espanhol enrolado. Nessa última internação ela pedia, quando acordava, pra eu continuar lendo porque ela achava lindo me ver ler. Mas eu sabia que era porque ela não conseguia mais falar.
E os dias foram passando até que ela não conseguia mais falar, andar, raciocinar. Só dormia, mal exisitia. Na quarta-feira, dia 26, ela não acordou mais. Quando recebi a notícia não tive nenhuma reação, não derramei uma lágrima. Saí com minha mãe pra cuidar da parte burocrática da coisa, documentos, campa no cemitério, local do velório, comprar o caixão, flores e etc. Peguei a roupa que ela queria e fui ao necrotério, vestimos, perfumamos e até batom nela eu passei (ela sempre foi muito vaidosa). E ainda sem derramar uma lágrima. Só tive a primeira crise de choro quando a vi no caixão, com todas aquelas flores e o véu. Doeu.
Depois de quinze horas de velório o dia amanheceu e chegou a parte mais difícil. Tive a segunda crise de choro quando fecharam o caixão e eu me dei conta de que nunca mais a veria. Foi muito difícil. Chorei até perder o ar e nessas horas passa um filme pela cabeça da gente. Lembrei de todas as vezes que ela me deu pão com leite condensado no café da manhã, trinta reais pra tomar um sorvete. Quando eu a encontrei no mercado e ela tinha uma garrafa de bebida na mão, ficou super envergonhada e por fim, me deu uns vinte reais pra eu não contar a ninguém. A pilantra me subornou.
São inúmeras lembranças. Minha mãe diz que ela era a única pessoa que me aguentava quando bebê, porque eu sempre fui um nojo. Ela era aquele tipo de pessoa que te dá a roupa do corpo sem reclamar. Ela bebia bastante, comia mais ainda e achava que eu ia morrer de fome a qualquer momento, porque me enchia de comida. Adorava contar as histórias dela de quando morava na Espanha, de como sofreu quando perdeu meu bisavô e de como era apaixonada por ele.
Eu vou morrer de saudades do cheiro que a casa dela tinha, do carinho que ela me dava, das mãos gordas com unhas sempre feitinhas. Das atrapalhadas dela. Uma vez ela foi fazer compras só com o saiote, esqueceu de colocar a saia. Outra vez ela saiu com um salto baixo e um alto, e jurava que tinha ficado manca. Viveu bem, morreu dormindo, graças a Deus, e uma velhinha linda de 88 anos. Saudades amada, o tempo todo, pra sempre.
E eu achava que sabia o que era sentir saudade...
*desabafo
Agora estou em Goiás, morrendo de calor e com dificuldade pra respirar por causa desse tempo seco. Mas tá passando, coração já está mais leve e eu não estou mais (tão) chorosa.
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