eu pensei em cozinhar de novo só pra relembrar sua cara de "duvidoquefoivocêquefez". fiquei em dúvida se a sua torta preferida era de morango ou maçã. eu não entendo por que sempre confundo as duas. não entendo por que o tempo passou e me fez pensar que isso não importava mais. senti preguiça. a surpresa nos seus olhos não incentivava o meu esforço de ir pro fogão. eu odeio cozinhar, lembra? não te culpo se não lembrar, eu sei que é difícil se lembrar de tudo. ainda mais quando se trata das coisas que eu odeio. eu entendo você, sim. não, eu não ligo mais pra essas coisas. sim, eu mudei. não me faça tantas perguntas, não me peça tantas explicações. eu sinto preguiça até de falar.
não cozinhei. pedi pizza e esperei. eu não gosto dessa pizzaria que a gente pede sempre, eu já te disse isso? eles demoram tanto e eu sempre espero a barriga roncar pra pedir. odeio esperar, ainda mais com fome. a pizza chegou antes de você. não sei por quanto tempo eu esperei, me distrai juntando os bilhetes pra jogar fora. os bilhetes que foram o nosso único meio de comunicação nessas últimas semanas (quantas?). frases curtas, eu só escrevia por obrigação e sei que você também. um guardanapo rabiscado não demonstra a amargura de quem escreve. mas isso também não faria mais diferença. nem pra mim, menos ainda pra você.
comi sozinha, metade da pizza. não é delicado comer tanto, eu sei. mas você nunca ligou, nem em público. o seu medo de que eu emagrecesse sempre foi enorme, aliás, você sempre foi mais paranóico que eu com o meu peso. não podia me ver com alguma roupa mais larga que já reclamava e amarrava a cara. eu já disse que eu te acho estranho? eu não consigo me lembrar se já te achava esquisito antes. do mesmo jeito que não consigo me lembrar de como era quando eu tinha medo de ficar aqui sozinha. é tão normal, agora.
vou escrever mais um bilhete, hoje, só pra não perder o ritmo. peguei o guardanapo, escrevi "boa noite" com tanta falta de jeito que acabou rasgando um pouco. eu tinha o maior jeito pra escrever em guardanapos antes. deixei o bilhete em cima da caixa com a sua metade da pizza. você vai chegar quase bêbado, como todos os outros dias, vai ler e chorar. porque agora quem chora é você. não sei o que você vai responder, se é que vai. de qualquer forma, só queria que você soubesse. eu sempre quero que você saiba e você, quando sabe, logo esquece.
somos assim agora. você chegando de madrugada com cheiro de bar e eu fingindo que não percebo. você sentindo a minha frieza por falta de sentimento e preferindo acreditar que é arrogância. não tomamos o rumo que queríamos, apesar de termos desejado coisas diferentes. antes esperávamos pela iniciativa de qualquer tipo de carinho. agora esperamos pela coragem de dizer que esse é o fim.
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