Todo dia de manhã tem um casal no ponto de ônibus. Ela sempre bem arrumada e ele de moleton, meia e chinelo. O ônibus se aproxima, eles se abraçam e ela dá sinal. Ela sobe e ele só vai embora quando o ônibus vira a esquina. Todos os dias, às sete da manhã.
Ela toma café puro e ele com leite. Ele adoça o dela com adoçante e ela o dele com açúcar, muito açúcar. Ela chega sempre emburrada e ele sorrindo. Ela vive pensando na sorte que tem por, dentre outras coisas, ele acertar sempre como ela gosta do café. Ele fica pensando no quanto ela ficaria nervosa se ele contasse que prefere café amargo.
Ela chora sozinha lembrando de quando ele virou a esquina sem olhar para trás.
Ele deve começar o dia sorrindo, com seu café amargo.
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Substituir é gostoso, sabe? Você recebe o valor que você acha que merece, porque a falta desperta saudade e carência e estimula o cuidado, a atenção. A lacuna faz com que o saudoso se agarre a primeira oportunidade de preencher espaço e a mantém até achar algo mais interessante para substituir a substituição. Não que a primeira substituta tenha perdido a graça, mas interesse faz parte do time inconstante, mais acentuado em pessoas instáveis. Não poderia ser mais bagunçado.
Substituir dói. Dói porque pessoas que costumam ser substitutas têm a maior facilidade em apego. As pessoas têm prioridades e opções e elas se invertem de forma brusca e ninguém mandou ser suscetível. Tá doendo, agora. Doeu ontem e vai doer amanhã. Eu não sei lidar com o desapego, com toda essa frieza. Eu não pensei que seria agora. Um dia, sim. Não agora. Eu nunca gostei de surpresas. Eu já disse que tá doendo? Eu sei que eu sempre fui de hipérboles, vocês sabem também, mas eu juro que a dor tá forte. It's tearing me apart.
Eu vivo frisando que não gosto de mudanças e esse barco furado não estava nos meus planos. Eu tô cansada de remar sozinha.
E vou ficando cada vez mais distante, aprendendo a viver sozinha, achando tudo errado, tentando recolher meus cacos, procurando uma próxima lacuna a ser preenchida esperando que elas supram as minhas necessidades, esperando que elas disfarcem a saudade que eu tenho do meu Ele. O meu Ele que nunca foi meu, das maniazinhas que eu guardo, dos gostos que eu já desdenhei e faria de tudo pra conseguir lembrar. Eu não consigo me lembrar e isso me lembra que o tempo tá correndo enquanto eu tô parada e o meu Ele... bem, eu não sei onde Ele está.
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Eu acordava e me sentia como se não tivesse dormido nada. As olheiras eram tão frequentes quanto as lágrimas e bastava eu ficar em silêncio por cinco minutos que elas brotavam. Eu descobri que elas são infinitas, as lágrimas. E quanto mais você não as deixa cair mais delas aparecem para cumprir a missão interrompida. Eu estava sofrendo, eu sabia. Ele também.
Ele sempre soube que eu sofreria mais, eu era mais intensa, eu arriscava mais. Ele não, ele ficava calado vendo as coisas acontecerem. De tempos em tempos ele me abraçava, me pedia desculpas com um ar extremamente triste e eu dizia que não precisavámos disso, porque tava tudo bem. Ia ficar tudo bem no final, eu dizia. Eu acreditava mesmo nisso. Ele não, ele nunca.
Ele sabia que não tinha mais como dar certo. Eu não. Era o peso na consciência versus a dor da mentira. Era a dúvida da sinceridade versus a mágoa que não sara. Não entendíamos, não entenderemos. Não era mais uma questão de força de vontade, de intensidade de sentimentos, de provas de amor. Não queríamos desistir, mas não sabíamos como consertar nossas falhas. O tecido já estava esgarçado e nós estávamos tão cansados...
Eu, minha meninice e minha esperança sem fim. Você, seu coração sofrido e seu pessimismo. Difícil de acreditar como um dia fomos tão próximos, me soa tão distante que eu preciso cerrar os olhos pra relembrar das nossas cenas.
Agora eu entendo as tuas desculpas. E não posso aceitá-las, eu não consigo.
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Você só é (foi?) diferente de tudo que eu já vivi porque você fugiu à regra. Você não foi gentil, não foi tentando me conquistar de pouquinho, não pegou na minha mão, deu um beijo e sorriu, esperando a minha reação. Você chegou e ficou. Não queria saber se eu iria gostar ou não de você, se eu iria ou não me apaixonar. Você mal se arrumava pra me ver, você de fato não se importa(va).
Você sabe (sabia?) como me prender. Bastou eu me apaixonar - fato do qual você provavelmente percebeu antes de mim - pra você começar com o seu joguinho. Uma aproximada, três recuadas. Um passo pra frente, três pra trás. Me diz, como a gente chega no arco-íris desse jeito? Não dá!
Você aproxima(va) e eu iludo(ia). Você recua(va) e eu choro(ava). Eu vivo(ia) chorando.
Até o dia que eu decidi deixar de acreditar que vivo pior sem você. Até o dia que eu cansei de passar metade da minha vida arrumando justificativas pra ficar com você e outra metade lamentando nunca te ter por inteiro. Era difícil, não é mais. É mais fácil cuidar só de mim.
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Eu achei aquele seu bilhete no meio do meu caderno, você pensa que não, mas eu li sim. Nunca disse nada porque não tinha nada pra dizer. Eu o escondi e finjo que não lembro onde. Não adianta muita coisa, porque eu já decorei todas as palavras, mas é menos difícil assim. É menos verdade assim.
Marcou seu coração com ferro quente e deixou tudo de você em mim. O seu cheiro, o seu gosto, a música que tocava e que fica latejando na minha cabeça quando eu levanto de madrugada pra fazer xixi. Eu me olho no espelho com meus olhos cerrados por causa da luz e com uma careta porque pisei descalça no chão gelado. Minha cabeça dói e os remédios não adiantam mais. A dor vem do lado direito. Eu fico horas debaixo do chuveiro pra ver se a água leva embora os seus vestígios.
Trezentos e sessenta e cinco dias depois a música ainda lateja, mas não me faz acordar no meio da noite me fazendo ir até o espelho pra tentar achar respostas. Há um ano atrás, tudo que eu mais queria era que o tempo passasse e me fizesse entender que eu não sofri tanto quanto eu achava que vinha sofrendo. Eu tenho mania de exagerar as coisas, mas não dessa vez. Doeu sim, mais do que eu sou capaz de transformar em palavra. Eu chorei muito, gritei, pedi por favor pra voltar no tempo para que VOCÊ pudesse corrigir seus erros. Pra que eu tivesse tempo e parasse pra pensar no quanto eu estava sendo ridícula traindo todas as pessoas que sorriam ao meu coração pelo seu sorriso, que nunca me amou.
Eu peguei você pra mim, mas seu amor nunca me quis. Eu queria que você tivesse pensado em mim, tivesse colocado na balança o que valeria ou não a pena. Sentir raiva não é justificativa pra ser cruel. E você foi cruel. Você traiu a nossa promessa. A corda que nos mantinha juntos já estava esgarçada, tomou muita chuva, mas eu estava disposta a continuar machucando as minhas mãos. Eu segurava com mais força cada dia mais. Mas você soltou primeiro, você não aguentou a dor nas mãos. Você desistiu.
E me deixou sozinha. Comigo e com a corda esgarçada que eu escondi junto com o bilhete que você me deixou. O bilhete que você dizia que tinha marcado a sua vida, o seu coração. E sabe, marcou também a minha vida, meu coração e deixou marcas no meu corpo. O dia em que o nosso fim teve início. Eu ainda tenho todas as feridas aqui comigo.
Eu não vou esquecer. As consequências são muito notáveis ainda. Veja só, eu não sei nem mais sentir sua falta.
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