domingo, 2 de outubro de 2011

dos mares e dos medos

Aqui tem sombra, eu fico sentada tomando meu açaí numa cadeira de plástico, que não desequilibra porque tô no cimento, e não na areia. Se eu quiser, eu dou alguns passos e chego até o mar, que é muito calmo, parece uma piscina. Não tem ondas, apenas algumas marolas. Marola é uma palavra tão engraçada. A areia não é muito fofa, então meu pé não afunda, apesar do meu peso. A água não é muito gelada, mergulhar nesse mar é simples, é fácil, é tão seguro. Não corro o perigo de uma onda vir enquanto eu estou distraída e bater contra minha cabeça. Esse mar não é fundo. Eu ando, ando, ando e ele continua na altura do meu umbigo. Na beiradinha as crianças brincam na areia, achando graça das ondinhas que se aproximam fazendo cócegas. Entrando nesse mar, eu não preciso nem molhar o meu cabelo, se eu não quiser. Ele fica com um aspecto péssimo depois de um banho de mar. Posso deixá-lo preso no alto da cabeça, e ele vai continuar seco. Quando eu cansar da água, eu volto para minha mesa de plástico, me seco com uma toalha fofinha longe da areia, porque não existe coisa pior que toalha com areia, e termino meu açaí. Consigo voltar pro carro com os pés limpinhos, sem um grão de areia para sujar o tapete.

A poucos metros desse mar, existe um outro, completamente diferente. Pra mim mar era tudo igual. Areia, água salgada, horizonte sem fim. Se eu quiser ir até esse outro, eu posso. Nada me impede, é só querer, levantar da cadeira de plástico, largar o açaí pela metade e ir. Para chegar lá, preciso passar um caminho de pedras, que machuca muito meus pés porque eu nunca levo chinelo, já que lá não tem nenhuma mesa de plástico pra eu deixá-lo debaixo. Lá a areia é muito fofa, muito quente, não tem sombra. A cada passo meu pé afunda mais, e quanto mais rápido eu ando para diminuir o tempo que meu pé fica em contato com a areia muito quente, eu afundo mais. Mas continuo correndo, porque sei que quando chegar até a água, que é bem gelada, vou conseguir refrescá-los. Para ir até esse mar, eu tenho que ir desprotegida. Sem a saída de banho, sem os chinelos, sem os óculos. Esse mar é violento. As ondas são gigantes e quebram com uma força muito grande, espirrando água para todos os lados. O meu cabelo não sai seco de lá, é impossível. Para entrar nesse mar, você precisa fechar os olhos, correr e mergulhar. Ninguém pode te dizer o que você vai encontrar depois. Depois do mergulho, não dá mais pé. Você não alcança o chão. Você precisa ter muita força e muito fôlego para se manter alí, razoavelmente tranquila. Quando você menos espera, uma onda te pega de surpresa, quebrando com força na sua orelha, e você não vê mais nada. Você ouve o barulho dela quebrando, do lado debaixo. Você não tem coragem de abrir o olho, mas não adianta muito, porque é tudo escuro. Você não sabe mais onde é sul e onde é norte, não sabe mais pra onde fica a superfície.

Antes de entrar nesse mar, a minha mãe me disse: "Filha, não entra". Eu entrei. Achei que estava perdendo os sentidos, estava cansada de bater os braços e as pernas e desisti. Lembrei do que minha mãe me disse e me odiei um pouquinho, mas nada mais importava. Parei de me debater e relaxei. Os braços e as pernas, a cabeça. Na hora eu não entendi o que aconteceu, mas depois descobri que uma onda quebrou forte onde eu estava e me levou para a areia. Senti a areia grossa e quente arranhando meu corpo todo, e percebi que eu conseguia respirar. Respirei e chorei.

Nunca mais cheguei perto daquele mar. Agora não saio mais da minha sombra, não levanto da minha cadeira de plástico e deixo meu açaí. Nem no mar de marolas eu entro mais. Às vezes eu me lembro do quanto o outro é lindo, fantástico de ficar olhando as ondas batendo contra as pedras, a gruta que a gente bate palmas e chove lá dentro. Mas não dá. Meu lugar é lá na sombra, no equilibrio, onde eu posso decidir se sujo ou não o pé de areia, se molho ou não o cabelo.

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